Volta e meia ouve-se aqui e ali propostas de novas gratuidades para bens e serviços públicos. Além de se manter grátis o que já seria grátis (saúde e educação), pululam ideias de ampliação das gratuidades ou descontos também para o transporte, moradia, distribuição de água, energia e telefonia, dentre outros, tudo a partir da intervenção da mão pesada do estado. Mas será que realmente há algo grátis?

Não, não há. Tudo que deriva do trabalho humano tem um custo. No caso de serviços públicos ou privados, destinados a um grande público consumidor, os custos são imensos.

O primeiro grande custo de qualquer atividade é o investimento inicial. Quem investe em transporte, construção civil, telecomunicações, saúde ou educação, deve dispor de uma quantidade astronômica de recursos, com planejamento de retorno do capital investido, o que ocorre, invariavelmente, se tudo der certo, no longo prazo.

Mas os custos da atividade, com o tempo, ao invés de diminuir, podem até aumentar ainda mais. Incertezas na economia, aumento do valor do dólar, impostos, instabilidade institucional e insegurança jurídica, tudo isso elava os custos, encarecendo o dinheiro e tornando ainda mais difícil recuperar o investimento e obter lucro, ou seja, gerar mais riqueza.

Nesse contexto, falar em gratuidade é falar em aumento de custos. Peguemos o exemplo do sistema de transporte urbano em Manaus. 22% dos passageiros são estudantes, os quais gozam de 50% de desconto. 8% dos passageiros são completamente isentos do pagamento de passagens. Ou seja, são, em média, 187 mil pessoas por dia usando o serviço com desconto de 50% e quase 70 mil usando o serviço sem pagar nada. Sem pagar nada?

Não, evidentemente. Todos pagam, pois o valor da passagem naturalmente sobe para compensar os descontos e as gratuidades. E sobe para todos, criando situações perversas. Querem ver? Um estudante de classe média, cujo pai poderia arcar com o valor da passagem inteira, tem seu direito ao desconto custeado justamente pelo cidadão desempregado que, para sair a procura de emprego, paga a passagem inteira. É justo?

Há quem queira, então, transferir o encargo das gratuidades ao estado. Segundo esses demagogos, caberia ao mesmo arcar com tais custos. Ora, primeiro ponto: o estado não é um ente desvinculado de nossa realidade, quiçá vindo de Marte. O estado é sustentado por todos nós, por nossos impostos, com recursos finitos. Segundo ponto: independentemente do governante de plantão, o estado é um gestor naturalmente ruim, posto que sujeito a pressões políticas de toda a ordem. Basta ver a qualidade do SUS, que é grátis, só que não…

Enfim, no atual momento de aprofundamento da crise e de incertezas políticas e econômicas, falta de água, de luz e de transporte, devemos ter a expectativa de que todos tenhamos a sabedoria de reconhecer que vivemos num contexto capitalista, de que os bens naturais e os bens criados pelo homem são escassos, assim como escassa é a moeda, não aceitando, nenhum deles, desaforos.

Recentemente um pequeno município do interior do estado de São Paulo, Catanduva, assumiu o serviço de transporte coletivo urbano, passando a presta-lo diretamente, sem cobrança de tarifa, até o término do processo licitatório. Mas isso é uma exceção. Em regra, no Brasil, o serviço de transporte coletivo urbano é concedido à iniciativa privada.

Muitos dos serviços públicos, inclusive dentre os que são hoje prestados por companhias estatais, um dia foram privados. Nas principais cidades brasileiras, por exemplo, inclusive em Manaus, a geração e distribuição de energia foi originalmente privada e só depois estatizada.

O que determina que um serviço seja prestado pela iniciativa privada ou diretamente pelo estado? É basicamente a lei e a capacidade de investimento. Serviços públicos custam caro, todos sabemos. Pensemos em quatro dentre os principais: saúde, educação, segurança e transporte.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a obrigação de o estado (estado lato sensu: união, estados, distrito federal e municípios) prestar serviços públicos de alto custo, universalmente, sem cobrança de contrapartida alguma do beneficiário, mesmo daquele que pode pagar: é o caso da saúde, da educação e da segurança. Isso foi uma opção mais política do que econômica do legislador constituinte. De onde vem os recursos para o custeio de tais serviços? Dos tributos pagos por todos evidentemente.

Com o transporte, igualmente essencial, a prestação direta do serviço pelo estado também é possível, mas chegou-se à conclusão que seria inviável a imposição de sua prestação universal de forma gratuita a todos, daí entra o outro fator: a capacidade de investimento.

Com os orçamentos públicos tão comprometidos com outras prioridades, a concessão do transporte ao setor privado mostra-se uma opção melhor do ponto de vista orçamentário para o estado, eis que o custo do serviço será custeado pelos beneficiários.

Ocorre que isso não é uma regra estática e, sendo o serviço público de transporte um serviço essencial, deve o estado garantir sua prestação contínua e eficiente e, se for o caso, para tanto, subsidiá-lo.

O subsídio ao serviço público é um meio termo entre o pagamento integral do custo pelo usuário e seu custeio integral pelo estado. Com o subsídio o estado assume uma parte dos custos de forma a tornar viável a prestação do serviço pelo particular. Hoje o sistema de subsídios no transporte é amplamente utilizado em importantes capitais brasileiras e em vários outros países do mundo.

O investidor, em qualquer setor, exige retorno de seu capital investido sob pena de não o investir ou investi-lo em outro lugar. É natural. O setor de transportes, desde o aéreo até o rodoviário, exige altos investimentos e consome grande fatia de seus orçamentos em pessoal e manutenção. E todos sabemos que não se pode relaxar em matéria de segurança por exemplo.

Por isso, e também para que o país possa atrair investimentos em infraestrutura, os contratos de concessão devem ser respeitados e estar equilibrados economicamente, não importa de onde venham os recursos, se diretamente dos beneficiários do serviço, dos cofres públicos ou de ambos simultaneamente.

Como todos sabem, o “Uber” é um aplicativo para celulares com o objetivo de viabilizar transporte de passageiros mediante pagamento de determinado valor a critério do operador do aplicativo.

Seu sucesso é notório, tanto pela aceitação por parte dos passageiros, quanto, até o momento, por parte dos operadores. No atual contexto de crise, a plataforma tem atraído milhares de pessoas desempregadas para atuar como transportadores.

Todavia, o aparente sucesso pode trazer algumas armadilhas se não for observado um marco regulatório de operação.

O transporte, ainda que não operado diretamente por um órgão estatal, deve ser por ele fiscalizado. No caso de Manaus, a fiscalização cabe à SMTU – Superintendência Municipal de Transportes Urbanos, uma autarquia.

Aqui vigem os preceitos de direito administrativo, um ramo do direito público: nessa área, ao contrário do direito privado onde tudo que não é proibido é permitido, só se pode fazer o que está expressamente permitido por lei e nos limites da permissão concedida pela lei. Isso tem um motivo: transporte é serviço essencial, de interesse público, devendo atender, por tais razões, a vários requisitos.

Um primeiro requisito é a garantia de segurança do passageiro e de terceiros. Por razões óbvias, não se pode submeter o passageiro a um meio de transporte que lhe cause insegurança ou que cause danos a terceiros, de modo que o condutor deve ser habilitado, fiscalizado e o veículo vistoriado. Em caso de acidente, quem paga a indenização? Isso também deve ser verificado, ou seja, a capacidade econômica do transportador de arcar com danos ao passageiro e/ou a terceiro.

Outro requisito é a adequação do modal (ou seja, do meio de transporte) ao sistema de transporte pré-existente em determinado local. Explico.

O transporte de pessoas em uma cidade é um sistema. O que é um sistema? É um conjunto de agentes que operam segundo uma lógica, segundo um ordenamento tecnicamente fundamentado. Esse é o espírito da Lei Federal n. 12.587/2012 a Lei de Mobilidade Urbana, cuja adaptação se propõe no PLC n. 28/2017 a fim de regulamentar tais novos modais.

A ordenação de um sistema de transporte prevê a operação de empresas de transporte coletivo, provedores de transporte individual e o autotransporte (transporte a pé ou de bicicleta). Todos esses elementos devem ser integrados e funcionar harmonicamente.

Lamentavelmente, não é isso que ocorre muitas das vezes e, quando o sistema não opera harmonicamente, surgem patologias urbanísticas.

Os modais de grande capacidade de transporte, como o metrô e o ônibus por exemplo, exigem grandes investimentos tanto do Poder Público (construção de vias e planejamento urbanístico), como dos operadores privados (aquisição de carros e infra estrutura operacional).

A inserção nesse sistema de um modal de transporte de baixa capacidade de transporte (carro de passeio, moto, transporte individual), se não for limitado segundo critérios técnicos, pode vir a estressar ainda mais a já deficiente infraestrutura urbana e causar concorrência predatória aos operadores do transporte de grande capacidade (ônibus por exemplo), os quais, aliás, são os únicos modais que cumprem funções sociais, operando em linhas deficitárias, transportando gratuitamente idosos e portadores de necessidades especiais e, com desconto, estudantes.

Essa concorrência predatória poderá levar o sistema de transporte ao colapso, com a inviabilidade de maiores investimentos, gerando um ciclo vicioso, haja vista que o carro de passeio não tem vocação para transporte de massa.

O “Uber” pode ser um remédio, sim. Mas é bom lembrar que remédio em excesso, ou administrado de forma errada, é veneno!

Fato é que a ausência de uma regulamentação quanto aos limites e possibilidades de atuação de cada um dos modais conduzirá o transporte a um desastre difícil de consertar.

Resumindo, como se diz popularmente: é cada um no seu quadrado. E, ao Poder Público, resta a incumbência que zelar para que todos andem na linha.

O direito de greve está previsto na Constituição Federal. Mas como qualquer outro direito (direito à vida, à propriedade ou à liberdade), não é um direito absoluto, ou seja, há situações em que a greve pode ser exercida com restrições ou até mesmo pode vir a ser proibida.

Como a Lei Federal n. 7783/1989 (Lei de Greve) define, em seu artigo 10, os serviços de transporte de passageiros e de vários tipos de cargas são essenciais. Serviço essencial é aquele que é vital para a sociedade e não pode parar.

A lei prevê essa essencialidade por uma razão muito simples: o direito dos usuários ou beneficiários dos serviços essenciais são qualificados numa escala igual ou até superior aos direitos dos trabalhadores de se valerem da greve para reivindicar o que quer que seja.

A aplicação da Lei de Greve prevê, a fim de garantir o exercício do direito de greve sem graves prejuízos ao serviço, a necessidade de se manter um patamar de operações minimamente aceitável nos setores essenciais. A lei não estabelece percentual de operação mínima do serviço, mas os tribunais do trabalho têm considerado de 70 a 80% de atividade mínima como indispensável, mesmo em estado de greve, sob pena de declaração da abusividade do movimento.

Ainda, a paralisação deve ser prévia e amplamente comunicada à sociedade (no mínimo com 72 horas de antecedência) e ser acompanhada de um planejamento quanto ao seu alcance para que não haja surpresas e para que os usuários ou beneficiários do serviço também possam planejar suas vidas em função das alterações na quantidade ou qualidade do serviço.

Como sabido, isso quase nunca é cumprido em greves de transporte e o prejuízo é imenso. O pior prejuízo evidentemente são os danos à dignidade humana, inclusive com vidas em risco. O sistema produtivo também sofre muito, com faltas ao trabalho, prejuízo às empresas e desabastecimento. O conjunto dessa triste obra passa uma mensagem clara ao investidor: “não é seguro investir no Brasil, pois interesses de corporações se sobrepõe ao interesse público”. E isso gera um ciclo vicioso de mais prejuízos e desemprego.

O exercício do direito de greve em serviço essencial deve ser algo muito bem pensado e planejado, devendo as lideranças sindicais consultar verdadeiramente a categoria e colocar na balança os custos e os benefícios dessa atitude, pensando também na sociedade. A greve é e sempre será apenas o último recurso do trabalhador para reinvindicações e, principalmente em tempos de crise como a atual, o diálogo deve sempre estar em primeiro lugar.