Como todos sabem, o “Uber” é um aplicativo para celulares com o objetivo de viabilizar transporte de passageiros mediante pagamento de determinado valor a critério do operador do aplicativo.
Seu sucesso é notório, tanto pela aceitação por parte dos passageiros, quanto, até o momento, por parte dos operadores. No atual contexto de crise, a plataforma tem atraído milhares de pessoas desempregadas para atuar como transportadores.
Todavia, o aparente sucesso pode trazer algumas armadilhas se não for observado um marco regulatório de operação.
O transporte, ainda que não operado diretamente por um órgão estatal, deve ser por ele fiscalizado. No caso de Manaus, a fiscalização cabe à SMTU – Superintendência Municipal de Transportes Urbanos, uma autarquia.
Aqui vigem os preceitos de direito administrativo, um ramo do direito público: nessa área, ao contrário do direito privado onde tudo que não é proibido é permitido, só se pode fazer o que está expressamente permitido por lei e nos limites da permissão concedida pela lei. Isso tem um motivo: transporte é serviço essencial, de interesse público, devendo atender, por tais razões, a vários requisitos.
Um primeiro requisito é a garantia de segurança do passageiro e de terceiros. Por razões óbvias, não se pode submeter o passageiro a um meio de transporte que lhe cause insegurança ou que cause danos a terceiros, de modo que o condutor deve ser habilitado, fiscalizado e o veículo vistoriado. Em caso de acidente, quem paga a indenização? Isso também deve ser verificado, ou seja, a capacidade econômica do transportador de arcar com danos ao passageiro e/ou a terceiro.
Outro requisito é a adequação do modal (ou seja, do meio de transporte) ao sistema de transporte pré-existente em determinado local. Explico.
O transporte de pessoas em uma cidade é um sistema. O que é um sistema? É um conjunto de agentes que operam segundo uma lógica, segundo um ordenamento tecnicamente fundamentado. Esse é o espírito da Lei Federal n. 12.587/2012 a Lei de Mobilidade Urbana, cuja adaptação se propõe no PLC n. 28/2017 a fim de regulamentar tais novos modais.
A ordenação de um sistema de transporte prevê a operação de empresas de transporte coletivo, provedores de transporte individual e o autotransporte (transporte a pé ou de bicicleta). Todos esses elementos devem ser integrados e funcionar harmonicamente.
Lamentavelmente, não é isso que ocorre muitas das vezes e, quando o sistema não opera harmonicamente, surgem patologias urbanísticas.
Os modais de grande capacidade de transporte, como o metrô e o ônibus por exemplo, exigem grandes investimentos tanto do Poder Público (construção de vias e planejamento urbanístico), como dos operadores privados (aquisição de carros e infra estrutura operacional).
A inserção nesse sistema de um modal de transporte de baixa capacidade de transporte (carro de passeio, moto, transporte individual), se não for limitado segundo critérios técnicos, pode vir a estressar ainda mais a já deficiente infraestrutura urbana e causar concorrência predatória aos operadores do transporte de grande capacidade (ônibus por exemplo), os quais, aliás, são os únicos modais que cumprem funções sociais, operando em linhas deficitárias, transportando gratuitamente idosos e portadores de necessidades especiais e, com desconto, estudantes.
Essa concorrência predatória poderá levar o sistema de transporte ao colapso, com a inviabilidade de maiores investimentos, gerando um ciclo vicioso, haja vista que o carro de passeio não tem vocação para transporte de massa.
O “Uber” pode ser um remédio, sim. Mas é bom lembrar que remédio em excesso, ou administrado de forma errada, é veneno!
Fato é que a ausência de uma regulamentação quanto aos limites e possibilidades de atuação de cada um dos modais conduzirá o transporte a um desastre difícil de consertar.
Resumindo, como se diz popularmente: é cada um no seu quadrado. E, ao Poder Público, resta a incumbência que zelar para que todos andem na linha.
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